O caminho traçado pelo Papa para revalorizar a Palavra na Igreja


Indicações na exortação apostólica do Sínodo dos Bispos sobre o tema

Bento XVI publicou nessa quinta-feira a exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini, que recolhe as conclusões da assembleia do Sínodo dos Bispos celebrada no Vaticano em outubro de 2008 com o objetivo de “revalorizar a Palavra divina na vida da Igreja”.

É o que confessa o próprio pontífice neste documento de cerca de 200 páginas, em que se apresentam e explicam as 55 “propostas” que surgiram daquela reunião eclesial centrada na “Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”.

Na introdução, o Papa deixa muito claro seu objetivo: “Desejo assim indicar algumas linhas fundamentais para uma redescoberta, na vida da Igreja, da Palavra divina, fonte de constante renovação, com a esperança de que a mesma se torne cada vez mais o coração de toda a actividade eclesial.”

E esclarece os motivos: “Num mundo que frequentemente sente Deus como supérfluo ou alheio, confessamos como Pedro que só Ele tem «palavras de vida eterna». Não existe prioridade maior do que esta: reabrir ao homem actual o acesso a Deus, a Deus que fala e nos comunica o seu amor para que tenhamos vida em abundância” (n. 2).

Questões de fundo

A exortação apostólica constitui uma ajuda decisiva para superar muitos mal-entendidos entre termos como Bíblia, Escritura ou Palavra de Deus. Com clareza, como o fizeram os participantes no sínodo, sublinha que “apesar da fé cristã não ser uma «religião do Livro»: o cristianismo é a «religião da Palavra de Deus», não de «uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo»” (n. 7).

De fato – afirma – “é a Tradição viva da Igreja que nos faz compreender adequadamente a Sagrada Escritura como Palavra de Deus” (n. 17).

Os que buscam respostas sobre o valor da Bíblia para a Igreja descobrirão na leitura do documento que “a Sagrada Escritura é «Palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do Espírito de Deus». Deste modo se reconhece toda a importância do autor humano que escreveu os textos inspirados e, ao mesmo tempo, do próprio Deus como verdadeiro autor” (n. 19).

Um dos argumentos que mais interesse suscitou no sínodo foi a interpretação ou exegese da Bíblia entre os acadêmicos.

O documento recorda aos exegetas crentes que “jamais devem esquecer que interpretam a Palavra de Deus. A sua tarefa não termina depois que distinguiram as fontes, definiram as formas ou explicaram os processos literários. O objectivo do seu trabalho só está alcançado quando tiverem esclarecido o significado do texto bíblico como Palavra actual de Deus»” (n. 33).

Propostas

Esclarecidas as questões de fundo, que em ocasiões suscitaram debates acirrados entre teólogos e biblistas nas últimas décadas, o Papa passa a apresentar propostas concretas e sobretudo atuais, surgidas do Sínodo da Palavra.

Por exemplo, sublinha “a centralidade dos estudos bíblicos no diálogo ecuménico, que visa a plena expressão da unidade de todos os crentes em Cristo”. Assim, impulsiona “a promoção das traduções comuns da Bíblia faz parte do trabalho ecuménico” (n. 46).

Aborda também a debatida questão das homilias – o sínodo constatou a falta de qualidade de muitas delas –, e pede que “os pregadores tenham familiaridade e contacto assíduo com o texto sagrado; preparem-se para a homilia na meditação e na oração, a fim de pregarem com convicção e paixão” (n. 59).

Estas propostas do Papa chegam a tocar inclusive questões como a acústica das igrejas, para poder escutar com “maior atenção” a Palavra, assim como o canto litúrgico, que deve ter “uma clara inspiração bíblica” e expressar “a beleza da palavra divina”, recomendando em particular “o canto gregoriano” (n. 70).

O pontífice insiste na necessidade de “uma atenção particular àqueles que, por causa da própria condição, sentem dificuldade em participar activamente na liturgia, como por exemplo os cegos e os surdos” (n. 71).

Considera que a animação bíblica não é um apêndice na vida da Igreja, mas que é necessário voltar a dar o “posto central da Palavra de Deus”, através de uma “animação bíblica de toda a pastoral” (n. 73), em particular, na catequese, para que se converta em um “abeirar-se das Escrituras na fé e na Tradição da Igreja, de modo que aquelas palavras sejam sentidas vivas” (n. 74).

Como era de esperar, propõe em várias ocasiões a leitura orante da Bíblia, conhecida como “Lectio Divina”, pois o Sínodo insistiu repetidamente nesta prática, que “é verdadeiramente capaz não só de desvendar ao fiel o tesouro da Palavra de Deus, mas também de criar o encontro com Cristo, Palavra divina viva” (n. 87).

Uma sugestão do Papa é ir em peregrinação à Terra Santa, a qual qualifica, como o Sínodo, de “quinto Evangelho” e assinala que, para que os lugares santos não se tornem pedras mortas, “como é importante a existência de comunidades cristãs naqueles lugares, apesar das inúmeras dificuldades (n. 89).

Nova evangelização

O documento, portanto, situa-se na trilha da nova evangelização, prioridade deste pontificado, pois “há muitos irmãos que são batizados mas não suficientemente evangelizados. É frequente ver nações, outrora ricas de fé e de vocações, que vão perdendo a própria identidade, sob a influência de uma cultura secularizada” (n. 96).

Esta nova evangelização – afirma –, passa em boa parte pelo testemunho, pois a Palavra de Deus alcança os homens através do encontro com testemunhas que a tornam presente e viva” (n. 97).

Este testemunho deve tocar todas as dimensões da vida, incluindo o compromisso pela justiça (n. 100), a defesa dos direitos humanos (n. 101), a promoção da paz (n. 102), a salvaguarda da Criação – ecologia bíblica – (n. 108), a presença na internet para que na rede apareça “o rosto de Cristo” (n. 113) e o diálogo inter-religioso (n. 117).

Siga a Paróquia nas redes sociais